Afinal, como interpretar de maneira justa e objetiva o período da Inquisição?
A análise deve começar por considerarmos a Inquisição como retrato da justiça criminal da época, por todos encarada com naturalidade, aprovada e defendida pelos juristas especialistas de então.
Os paradoxos, para o autor, são gritantes:
Parece-nos muito intrigante o seguinte: os tribunais de fé, é inegável, foram violentos, usaram métodos processuais e penais que consideramos reprováveis; levaram efetivamente a padecimentos e à morte multidões de pessoas, somente porque elas ousavam ter suas convicções. Tudo isso nos causa a nós, hoje, forte repulsa. Como então conciliar, eis a questão, tanta prepotência e tanta maldade com a suave figura de Jesus de Nazaré; com a virtude da caridade, que deve ser o farol máximo a iluminar o caminho da Igreja? (...) Será crível que, durante tão largo tempo, a Igreja haja abandonado Cristo?
E, como bem lembra Pietro Verri:
O único julgamento pronunciado por Cristo durante sua vida foi para absolver a mulher que queriam apedrejar; e os cristãos que imitam ou deveriam imitar a vida paciente, bondosa, humana e compassiva do Redentor escrevem tratados para torturar seus irmãos com as mais atrozes e refinadas invenções!
As respostas começam a aparecer quando tentamos analisar o período dentro dos valores que então regiam a sociedade, dentro do universo em que a Inquisição estava inserida e se modelou.
A formação cultural, o estilo de vida, a relação das pessoas com a política, economia e, principalmente, com a religião, explicam muitas condutas.
A formação cultural, o estilo de vida, a relação das pessoas com a política, economia e, principalmente, com a religião, explicam muitas condutas.
Como bem assinala João Bernardino Gonzaga,
ao homem de hoje, forjado por intenso processo de secularização que se iniciou com a Idade Moderna na civilização ocidental, torna-se incompreensível que a religião, outrora, haja assumido o papel de poderoso e efetivo ordenador da vida social.
A proliferação da criminalidade era caótica, ao mesmo tempo em que não havia uma política social eficaz. Coube, assim, à Justiça Penal ordenar a situação, contendo os insatisfeitos, o que foi feito através do terror.
Nesses termos,
diante de tantas dificuldades para uma eficaz proteção social, dois remédios foram adotados; a Justiça incentivava ao máximo as delações secretas, de modo que qualquer pessoa do povo podia acusar outrem, conservando-se no anonimato e a salvo de represálias; depois, o juiz buscava extorquir a confissão do suspeito, mediante a tortura.
(...) Não se cogitava de penas com função reeducativa, exceto no Direito da Igreja. Os castigos da Justiça comum tinham mais propriamente o sentido de vingança, contra aquele que violara as ordens do rei e que era depois julgado pelos seus juízes. A par disso, a punição devia ser exemplar, escarmentando o povo, a fim de convencê-lo a respeitar as leis. Para tanto, quanto mais severa, melhor seria a pena.
(...) Não se cogitava de penas com função reeducativa, exceto no Direito da Igreja. Os castigos da Justiça comum tinham mais propriamente o sentido de vingança, contra aquele que violara as ordens do rei e que era depois julgado pelos seus juízes. A par disso, a punição devia ser exemplar, escarmentando o povo, a fim de convencê-lo a respeitar as leis. Para tanto, quanto mais severa, melhor seria a pena.
Não queremos neste trabalho defender as práticas tormentosas utilizadas nesse período histórico, mesmo porque entendemos que qualquer violação à garantia máxima da vida não se legitima jamais (e sua gravidade não deve ser encoberta), mas pretendemos apenas mostrar que tais condutas tiveram um contexto social.
Nicolau Eymerich, em 1376, sistematizou o Manual dos Inquisidores, pelo qual a tortura só poderia ser empregada se houvesse acordo entre o inquisidor e o bispo e os meios empregados deveriam ser tais que o acusado saísse saudável para ser libertado ou executado; sempre o que se buscava era a confissão do suspeito.
É interessante notar que não deviam ser torturados os menores de quatorze anos, os velhos e as mulheres grávidas e os torturadores não se importavam com as marcas deixadas nos corpos, pois eram marcas de expiação do crime cometido.
É interessante notar que não deviam ser torturados os menores de quatorze anos, os velhos e as mulheres grávidas e os torturadores não se importavam com as marcas deixadas nos corpos, pois eram marcas de expiação do crime cometido.
É fácil percebermos, pois, que era inaplicado o princípio da proporcionalidade entre o crime e a pena.
As leis se limitavam a ordenar ou permitir a tortura, fixando algumas regras gerais para o seu uso, mas não especificavam no que ela poderia consistir; "a forma e os meios a serem empregados para produzir a dor seriam aqueles que os costumes indicassem, ou que fossem inventados por executores imaginosos. Facilmente, pois, ocorriam excessos". (GONZAGA, 1993, p.33)
O seguinte ensinamento de São Tomás de Aquino reflete bem a maneira como a tortura era encarada então: dizia que assim como ao médico é lícito amputar o membro infeccionado para salvar o corpo humano ameaçado, deve ser permitido ao príncipe eliminar o elemento nocivo ao organismo social.
Era inconcebível, em séculos passados, falar-se em liberdade religiosa, e isso se aplicava a todas as religiões, não somente à católica.
Cada Estado exigia da sua população uma crença única, oficial. Religião e nacionalidade eram crenças que se confundiam.
Cada Estado exigia da sua população uma crença única, oficial. Religião e nacionalidade eram crenças que se confundiam.
Assim, não era possível exigir que a Igreja Católica respeitasse heterodoxias religiosas, quando o mundo era regido por dizimações ora de cristãos (pelos romanos, por exemplo), ora de pagãos, ora de anglicanos, ora de islâmicos.
Ainda como ponto favorável à Igreja Católica temos a condição de procurar esta, através da força, ao menos atacar rebeldes que procuravam minar uma religião já consolidada entre o povo, ao contrário de outras religiões, que queriam impor compulsoriamente ensinamentos a pessoas de antiga fé oposta.
Ainda como ponto favorável à Igreja Católica temos a condição de procurar esta, através da força, ao menos atacar rebeldes que procuravam minar uma religião já consolidada entre o povo, ao contrário de outras religiões, que queriam impor compulsoriamente ensinamentos a pessoas de antiga fé oposta.
É fato, ainda, que os escritores mais célebres e conhecidos da época foram defensores desse sistema.
A grande maioria das religiões era absolutamente intolerante com as demais nessa época. Assim, se assumissem os hereges o Poder seguramente dariam aos católicos o mesmo tratamento que a eles estava sendo dispensado.
Nesse contexto,a Inquisição, portanto, não foi algo artificial, que a Igreja tenha impingido ao povo, mas produto de uma necessidade natural, que todos sentiam, e o seu severo modo de atuar foi condizente com o estilo da época. Somente muito mais tarde, presentes outras concepções e outros costumes, é que ela veio a ser criticada como atentatória às liberdades individuais. [32]
A Inquisição tinha um espaço hoje comparável à política, despertando amores e ódios, mas considerada legítima pela população.
FONTES:
FONTES:
http://jus.com.br/artigos/8505/a-historia-da-tortura#ixzz2pKevowvF
http://povoameadas.com.sapo.pt/miguel_dias.htm
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